Carta


Bem quisera escrevê-la
    com palavras sabidas,
    as mesmas, triviais,
    embora estremecessem
    a um toque de paixão.
    Perfurando os obscuros
    canais de argila e sombra,
    ela iria contando
    que vou bem, e amo sempre
    e amo cada vez mais
    a essa minha maneira
    torcida e reticente,
    e espero uma resposta
    mas que não tarde: e peço
    um objeto minúsculo
    só para dar prazer
    e quem pode ofertá-lo;
    diria ela do tempo
    que faz do nosso lado;
    as chuvas já secaram,
    as crianças estudam,
    uma última invenção
    (inda não é perfeita)
    faz ler nos corações,
    mas todos esperamos
    rever-nso bem depressa.
    Muito depressa, não.
    Vai-se tornando o tempo
    estranhamente longo
    à medida que encurta.
    O que ontem disparava,
    desbordado alazão,
    hoje se paralisa
    em esfinge de mármore,
    e até o sono, o sono
    que era grato e era absurdo
    é um dormir acordado
    numa planície grave.
    Rápido é o sono, apenas,
    que se vai, de mandar
    notícias amorosas
    quando não há amor
    a dar ou receber;
    quando só há lembrança,
    ainda menos, pó,
    menos ainda, nada,
    nada de nada em tudo,
    em mim mais do que em tudo,
    e não vale acordar
    quem acaso repousa
    na colina sem árvores.
    Contudo, está é uma carta.


作者
Carlos Drummond de Andrade

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